A mais antiga lei escrita de que se tem notícia, o Código de Hammurabi da Babilônia do séc. XVIII a.C. já trazia em seu bojo regras que previam penas aos médicos em caso de erro e normas semelhantes se sucederam ao longo da história e isso não é nenhuma novidade. Ocorre que nos últimos anos, temos atendido um número preocupante e cada vez maior de profissionais da medicina em nosso escritório, a grande maioria respondendo processos ético-disciplinares, cíveis indenizatórios ou criminais. Podemos atribuir este fenômeno a uma visão distorcida por parte da sociedade e até mesmo do Poder Judiciário sobre as verdadeiras obrigações dos médicos. Soma-se a isso um grande número de pacientes oportunistas que tentam a todo custo se locupletar de acasos procedimentais que muitas vezes não guardam qualquer nexo com a intenção do profissional ou com a negligência, imprudência ou imperícia (os chamados elementos subjetivos da culpa stricto sensu) do médico.
Muito embora medidas preventivas como o bom exercício da medicina e a relação saudável médico-paciente sejam os caminhos mais eficientes e baratos para se combater essa epidemia, este artigo pretende orientar o leitor médico e esclarecer alguns aspectos de uma eventual lide administrativa ou judicial.
Em primeiro lugar é muito importante que o paciente seja informado de maneira clara e com linguagem acessível, dos riscos e previsibilidade de cada tratamento. Recomenda-se documentar a informação e o respectivo “ciente” do paciente.
Mas quando um eventual erro médico pode caracterizar crime? Pois bem, ao contrário da lei civil, são considerados ilícitos penais (crimes e contravenções) somente aqueles especificamente listados no Código Penal (CP), na Lei de Contravenções Penais e em algumas leis esparsas. Há, então, absoluta necessidade que o ato cometido esteja descrito com precisão na lei para que o agente possa ser responsabilizado criminalmente e penalizado
conforme prescreve o artigo 5º, inciso XXXIX da CF e o artigo 1º do CP que têm a mesma redação: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Portanto, para que uma conduta médica possa ser considerada crime, necessita-se que a ação ou omissão esteja descrita em lei penal, que tenha ocorrido um dano ao paciente e o principal, que exista uma ligação direta e obrigatória entre a conduta e o resultado.
Os crimes passíveis de serem praticados no exercício da medicina podem ser dolosos ou culposos. Nos crimes culposos contra a vida e nas lesões corporais culposas, segundo o & 4º do artigo 121 e o 8 7º do artigo 129 do CP, a pena será aumentada de um terço se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, o que pode ser o caso de um erro médico. A prática de ilícito penal pode levar a obrigatoriedade de indenização civil para reparação do dano e, em caso de condenação criminal definitiva, na justiça civil, discutir-se-á somente o montante da indenização devida (artigo 584, inciso II do CPC c.c. artigo 63 do CPP).
Mas a absolvição na justiça criminal, ao contrário, não significa absolvição automática na esfera cível. O Código Civil, em seu artigo 1525 diz: “A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime”.
Em relação aos crimes dolosos passíveis de serem praticados por médicos no exercício de suas atividades, existem várias condutas aplicáveis, vejamos: A prática do aborto, excetuando-se as circunstâncias excludentes descritas no artigo 128 do CP (para salvar a vida da gestante ou em caso de estupro), o auxílio ao suicídio (art. 122), a omissão de socorro à pessoa ferida (art. 135), a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo direto e iminente (art. 132), o constrangimento a tratamento ou cirurgia contra a vontade do paciente (art.146), a revelação de segredo profissional sem justa causa (art. 154), a omissão de notificação de doença compulsória (art. 269), o charlatanismo (art. 284). Por sua vez, a Lei das Contravenções Penais em seu artigo 66, inciso II penaliza ainda o caso de: “Deixar de comunicar a autoridade competente: II- crime de ação pública de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal”.
Portanto, caro leitor médico, diante de tantas possibilidades punitivas na esfera administrativa, cível ou criminal, a prevenção continua sendo o melhor remédio. Mas, se constatada a existência de procedimento investigatório ou punitivo, procure imediatamente um advogado especialista da sua confiança.
Um grande abraço a todos!